Um tema que vem sendo abordado recentemente no contexto da educação brasileira é o homeschooling ou educação domiciliar no bom e claro português. Uma prática adotada e autorizada em pelo menos 60 países, ganha adeptos no Brasil com cerca de 7000 famílias. Sempre defendendo que a informação é a melhor forma para a tomada de decisões conscientes, o texto a seguir confronta alguns pontos de vista sobre o assunto.
O que é educação domiciliar?
Trata-se de uma modalidade de ensino na qual os pais optam por educar (no sentido da escolarização formal, se assim podemos dizer) seus filhos em casa, sem matriculá-los na escola.
Segundo Alexandre Magno, ex-presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), em entrevista ao portal Sempre Família, “Isso é causado por um descontentamento com o sistema educacional tradicional, tanto privado quanto público. Antes era algo mais exótico e agora se tornou mais uma opção para a família.”
O que diz a legislação brasileira?
Em setembro de 2018 o STF julgou e não autorizou a prática enquanto essa não tiver uma lei que a regulamente. O entendimento foi de que a Constituição não proíbe a prática, entretanto também não a regulamenta. Portanto, depende de uma lei para se tornar uma modalidade de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente preveem a obrigatoriedade da matrícula em escolas regulares. O projeto de lei 3261/2015 propõe autorizar o ensino domiciliar na educação básica, proposta defendida pelo atual governo brasileiro.
Sendo assim, as famílias ainda precisam recorrer à justiça para autorização da prática de ensino domiciliar.
O que dizem os especialistas em educação e as famílias adeptas da modalidade?
Individualização do ensino, atendimento a interesses específicos, pais como protagonistas da socialização dos filhos são alguns dos argumentos que sustentam a escolha das famílias pela educação domiciliar. Entretanto, como não há regulamentação específica, a certificação das crianças e adolescentes que praticam a educação domiciliar é um entrave. O atual presidente da Aned, Rick Dias, argumenta que “Um sistema marcado fortemente pela exposição das crianças a situações negativas, bullying, violência e até mesmo episódios de morte, como infelizmente vimos recentemente na escola Raul Brasil, em Suzano, na região metropolitana de São Paulo. Os homeschoolers são felizes estudando ao lado dos pais e irmãos. Por que não aceitar legalmente essa realidade?”.
Especialistas em educação defendem que a escola é um microcosmos de nossa sociedade. E esse espaço de vivenciar relações das mais diferentes natureza é o que sustenta a defesa da escola. E, nem sempre os espaços encontrados para essa convivência substituem essa diversidade de situações que acontecem de forma natural e espontânea e que podem ser mediadas pelos diferentes profissionais da escola, não apenas pelos pais , como no caso da educação domiciliar. Além disso, a falta possibilidade de fiscalização da qualidade desse ensino é muito delicada. Como ficaria, por exemplo, a verificação da frequência desse aluno e do conteúdo lecionado? “A homeschooling impede o aluno de receber o conhecimento adquirido nas atividades em conjunto”, critica o sociólogo e consultor educacional Cesar Callegari em algumas entrevistas sobre o tema. “Aprender com a diversidade é direito de todo aluno. Esse processo inclui movimentos ligados ao interesse de certas correntes religiosas e até seitas. Isso é negativo. Fere os fundamentos do Estado brasileiro”, completa.
Como educadora, não pude deixar de notar nos textos que li a queixa dos pais com relação a aspectos negativos da escola, como bullying, e a mediações e modelos que não os agradam. Resultado de metodologias e procedimentos que não colocam a criança e o adolescente como protagonistas e donos do seu próprio saber. Nos deparamos diante de um impasse que muito questiono, a necessidade das escolas se reverem. Além disso, as famílias precisam entender e acreditar que nem todas as instituições são iguais, que não existe melhor nem pior escola, existe aquela mais adequada para cada criança, para cada família. Ressalto, ainda, que se a qualidade insatisfatória de nossas escolas passa por fatores como a má formação dos professores, como será o ensino organizado e planejador aqueles que não atendem a requisitos de formação mínima para lecionar? Há aí uma contradição.
No âmbito macro do sistema educacional brasileiro discutir a legitimidade da educação domiciliar passa por outras questões. Uma coisa é falarmos dessa possibilidade para quem, de fato, pode arcar financeiramente com essa escolha, desde a compra de materiais até a disponibilidade de estar em casa com seus filhos. Na outra ponta estão famílias e crianças que tem na escola pública muito mais do que um local de ensinar e aprender, mas uma necessidade e até mesmo uma dependência. Sabemos que a realidade da maioria das crianças que frequentam escolas públicas é muito diferente, quantas são as que lá tem a melhor (ou única) refeição do dia ou o acolhimento do professor para sua situação vulnerável. Assim, discutir educação domiciliar no contexto brasileiro é ir além dos argumentos de qual a melhor forma de socialização das crianças, da disponibilidade ou não de material, de termos escolas boas ou ruins.
Separamos algumas reportagens recentes que podem ajudar você a entender um pouco mais sobre o assunto.
“Homeschoolers não se socializam?” Mães contam experiências (Gazeta do Povo/ 19 mai 2019)
Ensino domiciliar não enfrenta os graves problemas educacionais do país (Revista Educação/ 02 mai 2019)
“Não defendemos o homeschooling como melhor sistema. Mas os pais têm que ter esse direito” (Nova Escola/ 25 abr 2019)
Projeto de lei que pretende regulamentar a educação domiciliar no Brasil prevê provas anuais e cadastro no MEC (G1/ 11 abr 2019)
Altenfelder x Dias: especialistas divergem sobre decisão do governo de liberar o ensino domiciliar (Época/ 14 mar 2019)
Homeschooling: 14 perguntas e respostas (Nova Escola/ 11 fev 2019)
O que acontece com o homeschooling no Brasil depois da decisão do STF ‘ (Portal Sempre Família, 13 set 2018)